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A missão de escrever um texto sobre a diferença entre “óptica” e “ótica” me rendeu uma viagem e tanto sobre o meu aprendizado da Língua Portuguesa, o desafio da Reforma Ortográfica em 2009 e a constatação de que o “p” de óptica será eterno.

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Quando decidi escrever este texto sobre a diferença entre “óptica” e “ótica”, involuntariamente minha memória resgatou fatos dos bancos escolares e me fez lembrar que, como alguém que cresceu durante a ditadura militar, fui obrigada a engolir matérias como “Estudos Sociais” em vez de História e Geografia, além das invencionices “Educação Moral e Cívica” no ginásio, “Organização Social e Política do Brasil” (a famosa OSPB) no segundo grau e, mais adiante, já na universidade, a entediante “Estudos de Problemas Brasileiros” (EPB), essas três inseridas nas grades curriculares durante esse sombrio período da história nacional.

E só agora me toquei que passei os quatro anos de ensino primário ouvindo as professoras chamarem a Língua Portuguesa de “Língua Pátria”. Caramba, até na mais elementar, porém essencial das matérias, tinham de dar um toque de civismo! Enfim, me lembro quando cheguei à 5ª série e soube que ia ter aulas de Português. Eu, desde sempre, que gostei de novidades com cheiro de modernidade, estava me achando o máximo por, finalmente, ter aulas de Português.

Felizmente, as expectativas corresponderam: o meu amor pelo idioma tornou-se inversamente proporcional ao afeto pela Matemática e todas as matérias relacionadas a números. E, segundo reza a tal lei da atração, é claro que entre os meus professores favoritos de todos os tempos – daqueles que pouco ou nada ficam a dever ao personagem de Sociedade dos Poetas Mortos, filme de 1989 dirigido pelo australiano Peter Weir, cujo mestre memorável interpretado pelo astro norte-americano Robin Williams, morto em 2014, causou comoção em cinemas de todo o planeta -, a maioria tinha o ensino do Português como ofício. Sem dúvida, foram mestres em mostrar várias possibilidades de ver o mundo, despertar um amor ainda maior pela leitura e revelar o quanto era importante cuidar bem desse incrível e belo idioma que é o Português.

Também foi graças a eles que me fizeram partir para a universidade com um aprendizado tão redondinho da Língua Portuguesa e ter tempo para me dedicar de fato aos textos jornalísticos. Afinal, o Português eu já dominava e “carregava” comigo. Até porque, como dizia a minha sábia e maravilhosa avó materna, “o saber não pesa”.

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O desapego da Reforma Ortográfica

Com esse convívio tão estreito por conta da bagagem escolar e da profissão, o Português se tornou um grande companheiro e o encaro com aquele mesmo entusiasmo dos primeiros dias da 5ª série, quando achava moderno estudar a “Língua Pátria” com um nome novo e mais real. Por conta disso, confesso que precisei exercitar intensamente o desapego com a chegada da reforma ortográfica, algo de que tanto se falou no começo de 2009. O que seria da minha vida sem o trema? E o acento do “pára”, a 3ª pessoa do singular do presente, feito para estabelecer diferença em relação à preposição “para”? E os ditongos sem acento, como seria isso?

Mas, pelo jeito, nada vem por acaso mesmo. Pouco tempo antes eu andava pensando muito no desapego – obviamente de uma forma mais existencial – e precisei executá-lo até em uma situação tão prática como a reforma ortográfica. Por alguns momentos, cheguei a pensar em ignorar as novas regras e seguir editando a revista em que eu comandava na época como uma espécie de manifesto “antirreforma” (ai, esse jeito novo de escrever, com “r” dobrado, como era difícil e estranho no começo…), mas logo a minha memória me fez lembrar como eu me incomodava nos tempos de criança com pessoas que ainda escreviam de um jeito muito arcaico, anterior a reformas que já ocorreram décadas atrás, e, por exemplo, grafavam, sem medo de ser feliz, “ele” com acento circunflexo (“êle”), entre outras coisas que me despertavam estranheza.

O jeito foi praticar o desapego mesmo. No começo, programei o editor de textos do computador para fazer as correções automaticamente. Então, se eu cometesse um “tranqüilo”, a máquina, em seguida, corrigiria para “tranquilo”. Mas até que me adaptei rápido para conseguir escrever de acordo com a nova forma.

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O “p” não!

E aí com tanto amor pelo idioma e, como mais uma vez, sempre fala mais alto a lei da atração, acabei me especializando em um setor que carrega questões ortográficas já no nome: “óptica” ou “ótica”? Mas, nessa hora, digo que quero praticar o apego até o fim, porque “óptica”, para mim, tem de ser com “p”. Tudo bem que o senso comum também adotou o termo sem o “p”, como me explicou o guru da língua portuguesa Pasquale Cipro Neto, quando o entrevistei sobre o assunto em 1997.

Mas vale lembrar que o “p” de óptica nunca caiu em várias reformas que já ocorreram na história do idioma porque ele é autêntico e exatamente essa simples letra é que estabelece a diferença entre a “óptica” que, pela regra culta, vem do grego “optiké” e do latim “optica”, exatamente relacionada aos fenômenos da visão, e “ótica”, que se origina do grego “otikós” e é relativo ou pertencente aos ouvidos, isto é, aos fenômenos da audição. Daí os termos “otorrino”, “otite”, “otoscopia” e por aí vai.

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Reprodução dos verbetes “óptica” e afins do Vocabulário da Língua Portuguesa (5ª edição, pg. 599), publicado pela Academia Brasileira de Letras

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Reprodução dos verbetes “ótica” e afins do Vocabulário da Língua Portuguesa (5ª edição, pg. 605), publicado pela Academia Brasileira de Letras

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Pior é que dia desses tive de ouvir alguém no telefone dizer que a atual reforma derrubou o “p” de óptica. De onde essa pessoa tirou essa ideia estapafúrdia e tem a cara de pau de falar isso de forma tão descompromissada? Rapidamente, apelei para a mais recente edição do Vocabulário oficial da língua portuguesa, a Bíblia das palavras, que também é conhecido pela sigla “Volp”, publicado pela Academia Brasileira de Letras – e que agora conta com uma versão on-line, com direito à busca. E lá, nessa grande lista de palavras, a óptica com “p” “repousava em berço esplêndido” como “ciência da visão”. Dando uma checada básica em “ótica”, só para não perder o hábito, deparo com “ciência da audição”. Bingo! Foi aí que fez mais sentido ainda o título deste texto: “me tirem tudo, mas o ‘p’ não!”.

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