Em junho, tive a oportunidade de visitar a fábrica da GO Eyewear, na capital do Tocantins, para conhecer as unidades industrial e de logística da empresa, que empregam mais de 300 pessoas, e cujos produtos abastecem mais de 90% do mercado nacional.
Foi mais uma experiência enriquecedora para o currículo de quem já conheceu indústrias ópticas em vários lugares do mundo. Além de acompanhar todo o processo produtivo, tive a chance de encontrar pessoas com ótimas histórias de vida, de transformação e realização, além de conhecer mais uma cidade do Brasil com a qual me encantei e onde vi um dos finais de tarde mais lindos de toda a vida – um daqueles momentos sem preço!
Passei dois valiosos dias que resultaram na matéria que reproduzo a seguir, publicada no volume 2 da Fashion Eyes, a revista da GO Eyewear em que atuo como editora.
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Produzindo óculos e transformando vidas
É na agradável região norte desse país de dimensões tão continentais que a GO Eyewear escolheu desenvolver seu talento produtivo. Em 2006, estabeleceu em Palmas, a capital de Tocantins, as bases de seu centro de logística e distribuição, que, três anos mais tarde, passou a ter companhia de uma unidade de produção.
Mas vale abrir um parêntese antes de contar mais sobre essa história de sucesso, que une benefícios para a empresa e o estado. Quando se está acostumado com o dia a dia em uma cidade minimamente desenvolvida, às vezes fica até difícil visualizar o começo de vida em uma terra nova. Parece algo perdido em um passado longínquo, mas, nesse caso, não foi. Tocantins está prestes a completar apenas 30 anos de existência e, apesar de seu território ser, anteriormente, a porção mais ao norte do estado de Goiás, era praticamente terra virgem.
E, quase às portas do século 21, um estado inteiro nasceu praticamente do zero. Contando com os benefícios de tempos mais evoluídos, sua capital, Palmas, estabelecida em janeiro de 1990, “nasceu” completamente planejada, com cerca de 40 metros quadrados de área verde por morador, e, em uma década, viu sua população crescer mais de cinco vezes em relação a 1991, passando de 130 mil habitantes no ano 2000 – atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse total fica em 286.787 pessoas, que ocupam uma área superior a 2,2 mil quilômetros quadrados.
Tocantins tornou-se uma terra de oportunidades, com economia promissora e ritmo acelerado de crescimento, em que uma série de incentivos fiscais atrai novos investimentos. Vale mencionar também a chegada de pessoas de todas as partes do país em busca de oportunidades de negócios e postos de trabalho gerados com a implantação do novo estado.
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O começo de tudo
Esse cenário de terra nova, em desenvolvimento, e a localização estratégica, com a facilidade de escoamento da produção para qualquer parte do país, atraíram a GO. “O sonho de ter uma fábrica no Brasil era antigo. A GO sempre acreditou que precisava investir na formação de profissionais, engajar-se socialmente gerando empregos e deixando um marco na história do ramo óptico brasileiro”, afirma a CEO da GO, Joyci Lin.
O centro de distribuição, até então baseado em Campinas, interior de São Paulo, começou a ser transferido para Palmas em 2006. A missão de conduzir essa transição foi confiada ao especialista em logística, o baiano Edmundo Pereira, funcionário da casa desde 2003. Inicialmente, em uma pequena sede, Edmundo e sua equipe, composta por seis funcionários, ocupavam-se em receber os pedidos prontos que vinham transferidos de Campinas, tirar as notas fiscais e despachá-los para os clientes – atualmente, são emitidas, diariamente, mais de 1 mil notas.
No começo de 2008, toda a operação de armazenamento e distribuição passou a se concentrar na unidade de Palmas. No ano seguinte, eram 138 funcionários e, mesmo já tendo se mudado para uma nova sede, o espaço ficou pequeno a ponto de ser necessário estabelecer dois turnos de trabalho.
No mesmo ano, uma nova frente se abriu para a GO em Palmas: começaram os estudos para implantação de uma unidade produtiva. Com experiência em fabricação de óculos, a baiana Gicélia Valverde chega à cidade para desenvolver as possibilidades a fim de colocar o projeto em prática, o que incluía tanto a busca de parceiros que criassem as ferramentas como a contratação e o treinamento dos novos funcionários. A primeira seleção dos profissionais se deu em uma bateria de recrutamento com redes de hipermercados, que também se instalavam na cidade naquela altura e precisavam preencher seus quadros.
Assim, Gicélia começou a produção em um espaço de nove metros quadrados “emprestado” pela logística, acompanhada de três pessoas com experiência na fabricação de óculos que trouxe de Salvador para formar os empregados da recém-criada área industrial. Tudo caminhou bem e, em 2010, já eram mais de 60 funcionários. A divisão de logística também expandiu suas atividades e logo o espaço, mesmo em novos galpões, ficou pequeno.
Então, chegou a hora de investir em uma área definitiva em Palmas. O governo estadual ofereceu o terreno em 2010, em um dos quatro distritos industriais da cidade, e, quatro anos depois, mais precisamente no mês de fevereiro, a fábrica e o centro de logística e distribuição foram entregues com todas as certificações necessárias, sem falar nos processos de reciclagem e descarte correto de resíduos. Começava ali uma nova fase para a GO e uma relação ainda mais duradoura com Palmas.
De uma pequena sede em 2006, a GO passava a ocupar uma área de 13.584 metros quadrados, dividida em dois prédios, atualmente com capacidade mensal de produção de 300 mil peças, entre armações de receituário e óculos solares. Naquela altura, a produção da fábrica de Tocantins atendia 30% dos pedidos da GO no país, percentual esse que evoluiu consideravelmente até 2016, quando passou a cobrir mais de 90% da necessidade de abastecimento de todo o portfólio da GO para o mercado brasileiro – cerca de 12 mil pontos de venda. “E já está prevista uma nova etapa de investimentos para aumentar a capacidade produtiva em 2019”, revela Joyci.
Em 2017, com o acordo de distribuição entre a GO e o conglomerado francês de marcas de luxo e moda Kering Group para a distribuição de nove de suas grifes no mercado brasileiro, a área de logística e distribuição também passou a cuidar dessas linhas de produtos. E, neste ano, mais um fato importante: a instalação das primeiras máquinas para a produção de óculos de acetato injetado, inicialmente das marcas Bulget Occhiali e Speedo, além das lentes de demonstração que acompanham as armações de receituário.
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Desenvolvendo talentos
É importante ressaltar que a conquista de resultados e feitos brilhantes é movida pelo desejo de transformar vidas. O trabalho é pautado na evolução e na valorização das pessoas. Diariamente, as equipes discutem não apenas metas, mas as melhores formas de atingi-las, levando em conta o desenvolvimento de cada um.
Atualmente, são 256 funcionários diretos, divididos entre os 143 da divisão industrial (desse total, 70% são mulheres) e os 133 da logística e distribuição – além dos empregos indiretos, em um total de 316 pessoas. Todos são incentivados a estudar e a se desenvolver – um exemplo que retrata esse panorama é o percentual de estudantes universitários da divisão de logística e distribuição, que chega, atualmente, a 60%.
Incentivos fiscais rapidamente se convertem em benefícios para o estado e sua população. E, até hoje, a GO continua sendo uma das poucas indústrias de Tocantins, tendo se tornado uma importante formadora de mão de obra e fonte de informação para estudantes de Administração, Engenharia e Logística da região, que, com frequência, elegem a empresa como tema de seus trabalhos de conclusão de curso, os famosos TCC’s.
Já faz uma década que a GO deu seus primeiros passos em Tocantins, estabelecendo uma relação sólida não apenas como estado, mas com a óptica brasileira, ao optar em investir em produção nacional. Segundo Joyci, valeu muito a pena. “Certamente foram anos de muito empenho e sacrifício de todo o time. Foram contratados profissionais de todas as partes do país, treinando e desenvolvendo também recursos humanos locais. A GO não se arrepende de investir no estado, pois encontrou pessoas de bem, interessadas verdadeiramente em contribuir e crescer. Tudo é um processo de aprendizagem e construção”, declara.
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Aulas de vida
Face muito visível do investimento na evolução pessoal é a unidade do Projeto Pescar instalada na GO há três anos, a única no estado do Tocantins. Criada pela Fundação Projeto Pescar, a iniciativa tem por objetivo proporcionar formação para jovens em situações de vulnerabilidade, a fim de que se tornem agentes de transformação social em suas comunidades. O ponto de partida é o provérbio creditado ao filósofo chinês Lao-Tsé – “se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por um dia. Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida” -, isto é, ensinar os jovens a pescar em vez de apenas receber os peixes.
O projeto oferece programas socioprofissionalizantes gratuitos para jovens entre 16 e 19 anos e conta com a parceria de empresas, que os recebem em seus ambientes de trabalho para iniciação profissional, além de desenvolvimento pessoal e cidadania, em um curso com 800 horas que se estende por 11 meses.
Cada turma do Projeto Pescar na GO, com foco na fabricação e no manuseio de óculos, é composta por 12 alunos (para 2019, estuda-se a expansão desse número). Do primeiro grupo, 11 jovens foram absorvidos pela empresa e quatro no segundo – a terceira turma ainda está em curso – os demais colocam-se com facilidade no mercado, inclusive para trabalhar nas ópticas da cidade.
Para participar do projeto, os jovens precisam frequentar a escola. No caso da GO, dedicam-se ao Pescar pela manhã, almoçam no refeitório da fábrica e então seguem para a aula. O trabalho do educador social – no caso da GO, trata-se do professor Jorge Zensque – estende-se também às famílias, com esforços para eliminar ou, pelo menos, diminuir as situações de vulnerabilidade. Se uma família, por exemplo, mora de favor, faz-se um esforço para buscar a parceria com o projeto Minha Casa, Minha Vida, além da inscrição no cadastro único a fim de que passe a receber o benefício do Bolsa Família. Sem falar que, ao desenvolver suas habilidades, os jovens começam a amadurecer e passam a estabelecer melhores relações com seus familiares – é comum pais e mães darem depoimentos emocionados sobre a evolução de seus filhos.
Na sala de aula, também há momentos dedicados ao desenvolvimento cultural: por conta de instrumentos doados pela GO, os alunos criaram um grupo musical e, com o apoio da área de TI, desenvolveram um blog que reúne os principais interesses da turma, como música, beleza, dicas de estudo etc. Eles mesmos contam que o objetivo do canal digital é trocar ideias e expandir os conhecimentos de quem está escrevendo. Além disso, toda turma tem, pelo menos, uma missão de cunho social. A do ano passado, por exemplo, abasteceu com folga o hemocentro de Palmas, que precisava de 40 litros de sangue e recebeu 90 litros por conta dos esforços da turma e, este ano, os meninos trabalharam pelo aleitamento materno, arrecadando potes de vidro para acondicionar o leite e conseguindo doadoras para o banco de leite da cidade.
“O Pescar foi implantado na GO há dois anos, mas eu já flertava com a ideia desde 2013; me apaixonei pela visão e a missão do projeto. Mas a empresa não tinha condições de colocá-lo em prática, já que requeria recursos dos quais não dispunha na época. Então, ficou decidido que assim que a planta física própria estivesse pronta, a GO iria entrar de cabeça. Os valores do Projeto Pescar são lindos e realmente inspiram todos ao redor a batalhar por algo maior”.
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“Aprendi muita coisa boa e mudei para melhor”
Funcionário da área de Qualidade, Thiago Brito de Oliveira, 20 anos, é um dos “filhos” do Projeto Pescar da GO e reforça a oportunidade que ele e seus colegas tiveram de crescer tanto profissional como pessoalmente, desenvolvendo seus talentos.
“Desde que comecei no projeto, aprendi muita coisa boa e me desenvolvi muito socialmente. A GO é meu primeiro emprego, eu tinha 18 anos quando entrei no Pescar e foi uma oportunidade muito boa ter a carteira assinada por uma grande empresa. Estou contratado há três meses. Faço parte da Qualidade, que é um processo muito importante. Lá, a gente avalia os óculos. Toda a equipe é muito unida, é muito bom.
Como o treinamento do Pescar, a gente passa por todas as áreas da empresa. Conheço todo o processo, da indústria à logística. A gente tem a visão geral e fica mais fácil. Em qualquer área que me colocarem aqui, já conheço o trabalho.
Acabei de concluir o ensino médio e agora minha meta é a universidade. Já estou inscrito no Enem, está tudo encaminhado, e agora estou decidindo o curso – pode ser Logística. Além do trabalho, sou apaixonado por motos. Gosto de animes, séries, sou bem geek… Gosto de estudar também, sou focado em nutrição.
A relação com a minha família melhorou muito. Passei a ter uma visão diferente do mundo. Querendo ou não, é muita coisa que se aprende no trabalho e isso ajuda a evoluir bastante.”
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Fotos: André Kraemer, Andrea Tavares e Edenilton Araújo
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